‘Terrível’ e ‘maravilhosa’: a saga da árvore australiana que encontrou o habitat perfeito no Brasil

11 jul, 2017Working on Fire Brasil

Em 01/07 a BBC Brasil publicou um interessante artigo sobre as plantações de eucaliptos, o risco de incêndios e o que mais nos chamou atenção foi a publicidade sobre as descobertas do Prof. Bill Gammage sobre como os aborígenes usavam o fogo como algo benéfico. Muitos outros estudiosos em todo o mundo defendem a mesma aplicação do fogo utilizada pelos aborígenes. A Working on Fire tem amplo know how em queimas controladas e está a disposição do mercado nacional e internacional para discutir potenciais soluções relacionadas com o manejo integrado de fogo.

Para alguns, ele é perigoso e deve ser tratado como um invasor. Para outros, um exemplo de versatilidade e resiliência.

Acusado de facilitar a propagação do incêndio que causou 64 mortes em Portugal neste mês, o eucalipto desperta paixões desde que deixou a Austrália para se tornar uma das árvores mais (im) populares do mundo.

Criticada por ambientalistas e temida por guardas florestais, a planta é ao mesmo tempo exaltada por suas crescentes aplicações comerciais, que vão da medicina popular à produção de tecidos.

No Brasil, onde encontrou habitat ainda mais favorável que o de sua terra natal, a árvore já ocupa área equivalente a quase três Estados de Alagoas – e continua a se expandir.

Grandes navegações

Os portugueses foram o primeiro povo ocidental a conhecer o eucalipto, desde que exploradores lusos chegaram no século 16 a Timor-Leste, no Sudeste Asiático. O território abriga três espécies nativas desse gênero de plantas.

Mas as árvores só se popularizaram no Ocidente alguns séculos depois, durante a colonização da Austrália, origem de cerca de 700 tipos de eucaliptos.

Ao longo de vários milhões de anos, a árvore se adaptou tanto à Austrália que se tornou dominante em quase todos os biomas do país – e incêndios tiveram um papel central nesse processo.

Várias espécies de eucaliptos produzem óleos inflamáveis e trocam casca, galhos e folhas com frequência. O acúmulo desse material ao pé das árvores facilita a propagação de incêndios.

Quando as chamas alcançam o tronco, sobem até os galhos mais altos, formando grandes bolas de fogo. O calor pode fazer com que a árvore exploda, lançando labaredas em múltiplas direções.

É por isso que incêndios em áreas com muitos eucaliptos – como os ocorridos em Portugal neste mês – são tão destrutivos e difíceis de conter. E é por isso que, na Austrália, uma das espécies mais comuns do gênero é também chamada de “árvore-gasolina”.

O fogo num eucaliptal pode destruir tudo, inclusive os eucaliptos, mas não as sementes dessas árvores, que são as primeiras a germinar quando a chama se apaga.

As mudas rapidamente substituem os eucaliptos mortos e ocupam também o espaço de outras espécies queimadas.

Viagem pelo Pacífico

A adaptabilidade e o rápido crescimento do eucalipto chamaram a atenção de colonos da Califórnia, que a plantaram em larga escala a partir do século 19 para fornecer madeira para as cidades em expansão.

Até que, nos anos 1980, um besouro australiano cruzou o Pacífico e passou a parasitar os eucaliptais californianos. Sem predadores naturais do outro lado do oceano, as larvas do besouro devoravam rapidamente os troncos das árvores.

Uma das hipóteses é que o inseto tenha chegado aos EUA em toras de madeira importadas.

Pesquisadores americanos, então, buscaram na Austrália uma vespa minúscula que parasitava os ovos do besouro. A praga foi controlada, embora eucaliptais californianos sigam vulneráveis a ataques – agora conduzidos por humanos.

Vilanizada por ocupar o espaço de plantas nativas e de ser hostil à fauna local, a árvore vem sendo erradicada de partes do Estado por órgãos públicos.

“Eucaliptos são terríveis”, disse um morador ao jornal Santa Cruz Sentinel numa reportagem sobre os transtornos gerados pela queda das árvores, em 1996.

“Eles são um perigo em incêndios, eles são um perigo quando chove, e eles expulsam árvores locais.”

A decisão de extirpá-los do Estado, porém, não agradou a todos, e alguns acusaram os detratores dos eucaliptos de “xenofobia vegetal”.

Incêndios mortíferos

Apesar das ofensivas, o eucalipto sobreviveu na Califórnia, onde também protagonizou grandes incêndios. Em 1991, 25 pessoas morreram e 3 mil casas foram destruídas quando as chamas se espalharam por eucaliptais no subúrbio de Oakland.

Na Austrália, numa das maiores tragédias do tipo da história, uma sequência de incêndios no Estado de Victoria deixou 173 mortos, em 2009.

Mas nem sempre esses fenômenos foram tão mortíferos na terra mãe dos eucaliptos, segundo o historiador Bill Gammage, da Universidade Nacional da Austrália.

Em 2012, Gammage foi premiado pelo governo australiano por um livro em que analisou pinturas da época da chegada dos europeus ao país. O historiador notou que raramente as imagens mostravam áreas muito extensas de floresta contínua – costumava haver espaços vazios, com vegetação rasteira, entre os trechos de mata densa.

Os povos aborígenes, que na época ainda se espalhavam por grande parte da Austrália, haviam moldado aqueles territórios. Ao criar clareiras nas matas, buscavam atrair animais que comiam plantas rasteiras para caçá-los.

Gammage percebeu ainda que as florestas daquela época intercalavam trechos de plantas jovens e outros de árvores mais antigas. A diferença se devia ao fogo: as árvores novas brotavam em áreas que haviam queimado não muito tempo antes.

Os aborígenes, diz Gammage, usavam fogos controlados para abrir as clareiras e gerir o desenvolvimento da floresta. Quando notavam que o tapete formado por galhos e folhas secas começava a engrossar, ateavam fogo na mata.

Assim, diz o historiador, eles forçavam os animais a fugir, indo de encontro aos caçadores. E assim controlavam a quantidade de combustível acumulado em qualquer ponto da floresta, impedindo a formação de incêndios que escapassem do controle.

Para os aborígenes, a maior arma contra o fogo era o próprio fogo.

O historiador concluiu que, antes da chegada dos europeus, a Austrália era um imenso jardim aborígene – e não um território livre de interferências humanas, como muitos acreditam.

Hoje, em vários dos lugares retratados pelos primeiros exploradores europeus, Gammage diz que há florestas fechadas e uniformes, plantadas ou naturais. Várias clareiras sumiram, e os incêndios se tornaram mais perigosos.

Das ferrovias à farmácia

No Brasil, não há registros de incêndios tão mortíferos em eucaliptais, embora o país tenha uma das maiores áreas ocupadas pela árvore no mundo. Em 2015, segundo o IBGE, essas plantações alcançaram 7,4 milhões de hectares.

Segundo Humberto Angelo, professor de engenharia florestal da Universidade de Brasília (UnB), incêndios são menos frequentes por aqui por três razões.

Primeiro, os eucaliptos mais comuns no Brasil têm menos folhas e galhos que as espécies predominantes em outras partes do mundo. Segundo, porque a umidade dos solos brasileiros garante que microorganismos consumam grande parte do despojo das plantas, reduzindo o estoque de material inflamável. Terceiro, porque os donos das plantações costumam se precaver para evitar incêndios e preservar seu patrimônio.

Angelo afirma que o uso comercial do eucalipto no Brasil se iniciou em 1904 em Rio Claro, no interior de São Paulo. Conforme as matas nativas rareavam, recorreu-se à planta para a fabricação de dormentes, peças que sustentam os trilhos dos trens.

A partir dos anos 1960, com incentivos fiscais concedidos pela ditadura militar, plantações de eucaliptos se espalharam por boa parte do Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país.

Segundo Angelo, hoje o principal destino da árvore no Brasil é a indústria de papel e celulose. “Se você for a uma loja de móveis e vir uma peça qualquer de MDF (fibra de madeira prensada), certamente haverá eucalipto ali. O mesmo vale para as caixas de leite e muitas outras embalagens do supermercado”, ele afirma.

Nos últimos anos, eucaliptos transgênicos, com fibras ultraflexíveis, passaram a ser empregados até na produção de cápsulas de remédio e de tecidos tactel.

O professor diz que o segundo maior destino da árvore é como carvão vegetal na indústria de aço.

Habitat ideal

Angelo afirma que, enquanto um eucalipto brasileiro está pronto para o corte a partir dos sete anos, no hemisfério Norte as árvores que produzem celulose levam até cem anos para atingir a maturidade.

Segundo ele, nem mesmo na Austrália os eucaliptos crescem tão rápido, pois lá eles enfrentam inimigos naturais inexistentes por aqui.

Angelo rebate uma das principais críticas à árvore. “Propagou-se muito a ideia de que o eucalipto seca o solo, mas estudos mostram que ele consome tanta água quanto o milho, por exemplo.”

Ele diz ainda que, ao abastecer a indústria de móveis, o eucalipto reduz a pressão sobre matas nativas – e que a árvore tem se revelado útil inclusive para a produção de alimentos.

Boa parte do mel vendido no Brasil hoje, diz Angelo, vem da flor do eucalipto. E nos últimos anos, muitos pecuaristas vêm plantando a árvore para ter outra fonte de renda e dar mais conforto ao gado.

“Antes os pecuaristas desmatavam tudo para plantar pasto, e o boi ficava lá embaixo do sol, sem nenhuma sombrinha”, diz Angelo. “Agora ele pode descansar embaixo do eucalipto.”

Ele diz que as árvores também podem servir como quebra-vento para plantações mais sensíveis.

Mesmo pequenos agricultores reconhecem as qualidades do eucalipto – embora muitos critiquem a liberação de espécies transgênicas da planta, que aconteceu em 2015 (o Brasil foi o primeiro país a autorizá-las).

“É uma árvore maravilhosa, o problema é a monocultura”, diz Jaime Carvalho, pequeno agricultor no assentamento Rubira, em Piratini (RS). Ele diz que eucaliptos plantados no assentamento são vendidos como escoras para a construção civil ou como lenha para olarias.

Em sistemas agroflorestais, que combinam árvores frutíferas e vegetação rasteira, muitas vezes usa-se o despojo do eucalipto para adubar outras plantas.

Veneno X remédio

O eucalipto ganhou um papel até na medicina tradicional brasileira.

Há 23 anos dono de uma barraca de remédios naturais no centro de Brasília, o raizeiro piauiense Valdemar da Costa diz trabalhar com mais de 500 plantas.
Ele afirma que a folha do eucalipto, utilizada no preparo de chás, está entre as duas ou três mais procuradas.

A mesma árvore cuja queima pode matar por asfixia é usada no Brasil para tratar problemas respiratórios.

“Para quem está com tosse, sinusite ou bronquite, não tem remédio melhor”, diz o vendedor.

Artigo original publicado em Uol o melhor conteudo.

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